quarta-feira, 22 de abril de 2015

Editorial do Presidente - A inversão de valores

Há uma regra do direito que diz: “o ônus da prova cabe a quem acusa”. Dessa premissa é que derivam inúmeros procedimentos judiciais e administrativos. É com base nesse primado que se constroem direitos jurídicos e garantias individuais. Esta é uma regra com a qual todos concordam e que, aparentemente, todos respeitam. Aparentemente!
Há duas instâncias em que essa premissa não é respeitada: a mídia e o mundo político (legislativo).
Claro que os muitos jornalistas e vários políticos não concordam comigo. Os primeiros dizem: “estamos somente dando publicidade a uma notícia” e os segundos “não estamos acusando, estamos investigando”. Ora, ora. Não é assim que as coisas funcionam. Não é assim que a sociedade encara as notícias e as “investigações parlamentares”. Se alguém tem dúvidas, observe os comentários ou analise o comportamento das pessoas diante de uma “notícia” do tipo: “o vereador fulano de tal propõe a realização de uma CPI para apurar tal fato”.
Na prática funciona assim: se o jornal publicou é verdade! Se o político disse, é verdade! Se a televisão anunciou, nem se discute!
É difícil explicar porque as coisas são dessa forma, especialmente porque sabemos que muita coisa que é publicada pela mídia não é verdadeira, ou não ocorreu daquela forma, ou não se deu naquela dimensão. Assim como estamos cansados de saber que por trás da maioria das iniciativas “moralizadoras” dos políticos está o interesse pessoal, partidário ou eleitoreiro. 
Jornalistas escrupulosos e parlamentares cuidadosos, antes de expor publicamente alguma coisa, se certificam de que aquilo é verdade e que há indicativos concretos e claros para a acusação.
Recentemente um importante noticioso da televisão deu destaque a uma iniciativa da Câmara de Vereadores de Viamão que realizou uma CPI para apurar “irregularidades” em evento realizado pela Fundação Cultural Gaúcha. Quem conhece o assunto sabe que não houve qualquer irregularidade capaz de ser tratada como delito ou desvio de conduta, no entanto, grande parcela da população já tomou aquela divulgação como uma sentença: “o fulano ali citado é culpado e não se discute mais”.
Agora é outro vereador que requer instalar uma CPI para “apurar fatos relacionados com a aplicação dos recursos públicos anuais aplicados nos festejos do acampamento farroupilha realizado no Parque Mauricio Sirotsky Sobrinho”. Pois bem, fiscalizar a aplicação de recursos públicos é uma tarefa do vereador. Certamente esse vereador faz isso com todos os recursos públicos utilizados em eventos públicos. Nenhum reparo à essa iniciativa.
Por outro lado, a mídia ao dar publicidade a isso, já sentenciou: “câmara apura irregularidades ...”. Quais irregularidades? Quem as cometeu? De que forma? Quem foram os beneficiados de tais delitos? A esses questionamentos não há respostas. Nem pode haver. Simplesmente nada foi apurado ainda. Mas, os comentários de muita gente (uns mal informados, outros mal intencionados e outros com interesses bem definidos) já são como se tivesse havido uma apuração, se houvesse uma acusação clara contra alguém, se já houvesse uma sentença judicial.
Infelizmente, está havendo uma permanente inversão do primado de que “todo cidadão é inocente até que se prove sua culpa”. Pior ainda é a situação em que o acusado tem que provar não ser culpado. Ao acusador nada se exige. Claro que no final, depois de feitas as apurações e de ficar constatado que não há irregularidade, tudo se encerra e fica o dito pelo não dito. 
Ao acusado,  já “condenado” pela sociedade e pela mídia, resta lamber suas feridas, administrar a vergonha de ter sido exposto como se fosse bandido, encarar os filhos e dizer a eles: “não se envergonhem do pai de vocês, ele nada deve e nada fez de errado” e esperar que o tempo se encarregue de mostrar quem é quem.
Manoelito Carlos Savaris
Presidente do MTG
Maio de 2015

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